Lembra de Julio Trois?

Se você está nesse divino passatempo de jogos de mesa há mais de 10 anos, acompanhou o início do que eram “jogos para imprimir e jogar”, o começo de editoras grandes no mercado, a época de ouro dos anos 2000 quando os primeiros grandes licenciamentos de jogos de tabuleiro vieram ao Brasil… Então provavelmente você chegou aqui quando tudo ainda era mato.

Nesse mato com coelhos, meeples, cartas e cubos, diversas figuras brasileiras se destacavam para construir a base do mercado atual de jogos de mesa em geral. Se hoje existem mais de 30 editoras a publicar jogos de mesa para adultos, jovens e crianças e um portal brasileiro com reconhecimento internacional sobre esses jogos… certamente Julio Trois estava lá com seu esforço, trabalhos publicados e muita garra!

Agora, se você ainda não conhece Julio Trois ou ainda não foi desta época…

Quem é o Julio Trois?
Meu nome é Julio Trois e tenho 48 anos, sou formado em Administração de Empresas, moro em Porto Alegre/RS e estou no hobby de jogos de tabuleiro modernos desde 2008, apesar de jogar desde criança os clássicos.

julioperfil1O que você fez ou com o que trabalha/trabalhou dentro do mercado de jogos de tabuleiro?
No início eu apenas era um mero participante do antigo site Ilha do Tabuleiro, lá conheci mais do hobby e pude interagir com pessoas maravilhosas. Com o tempo meu interesse e interação foi aumentando, primeiro desenvolvendo jogos e disponibilizando gratuitamente em forma de print and play, depois fundei a Ludo Brasil Magazine que nos seus áureos tempos foi a segunda revista mais lida sobre jogo de tabulero em todo o mundo. Publiquei alguns jogos em pequenas tiragens no Brasil. Cheguei a negociar a publicação destes jogos no exterior, mas acabou não se concretizando.

Quais jogos seus que foram lançados por editoras?
Publiquei pela extinta Editora RDG os jogos Farrápos, Cisplatina e Vera Cruz, jogos inspirados na história do Brasil, sendo os dois primeiros WarGames e o Vera Cruz era um jogo econômico. Por fim lancei o jogo Walkers que era um boardgame colaborativo com temática de apocalipse zumbi.

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Vera Cruz. Foto: Arquivo pessoal

E os PnPs?
Estes foram vários! (risos) O Farrápos foi publicado desta forma juntamente com os 2 jogos seguintes da coleção, o Cisplatina e o Paraguay, além do card game Monte Caseros, todos da antiga coleção Guerras Brasileiras. Teve também o Vera Cruz, jogo econômico, o Buccaneers, jogo com temática de piratas, o WWII, que era um wargame com vários módulos de tabuleiros e, o Sibylla, que chegou a ser destaque na revista Spielbox. Acredito que até hoje todos estes jogos seguem disponíveis no BGG.

Por que se retirou do mercado de jogos de mesa? Ainda joga jogos de tabuleiro?
Foram vários motivos: o principal foi a falta de tempo para manter a Ludo Brasil Magazine, meu trabalho na época me exigia muito, e eu não conseguia mais dar conta de fazer a revista; outro fator foi psicológico, na época havia muitos haters atacando a revista (estamos falando de quase 10 anos atrás), naquela época “haters” era algo novo, a gente não estava habituado a tanto ódio gratuito. Hoje a gente sabe lidar, mas naquele tempo, me deixava muito triste. O trabalho de fazer a revista mensalmente era enorme, o retorno financeiro muito baixo e a cada edição os ataques eram maiores, principalmente de pessoas que achavam que deveriam ser destaque na revista… gente do próprio hobby atacando para se promover… era muito triste! Eu tinha visto isto acontecer com o Alessandro, fundador da Ilha do Tabuleiro, ele se retirou deste meio também, quando vi que o mesmo estava ocorrendo comigo, fiquei desgostoso e sai também.

Hoje ainda jogo, mas somente com a família e amigos, normalmente os meus próprios jogos ou projetos, praticamente não acompanho mais os novos jogos.

Alguma participação em projetos de RPGs ou jogos eletrônicos no geral?
Não, RPG nunca foi a minha praia e, jogos eletrônicos eu gosto de jogar, mas não tenho conhecimento técnico para o desenvolvimento.

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Cisplatina. Foto: Arquivo pessoal

Hoje em dia te procuram para consultoria sobre o mercado ou para licenciamento dos seus jogos de mesa?
Não! (risos) Eu fui esquecido como todos os demais daquela época, faz parte. Uma nova geração de empreendedores e jogadores chegaram, assim como excelentes novos designers. Acho que isto faz parte do processo. Quando eu, o Alessandro da Ilha do Tabuleiro, os designers Macri, Halaban e Zatz, e o pessoal da Galápagos Jogos entramos em cena, não existia “mercado de boardgames” no Brasil, nós aos poucos criamos este mercado: eu e o Alessandro trouxemos o conhecimento, o Halaban e o Zats, ganharam destaque internacional, e o Macri, com o seu talento, trouxe uma renovada no design de jogos brasileiros, além da Galápagos que trouxe os jogos que todos sonhávamos para produzir e vender no Brasil. É normal que com o tempo outros protagonistas apareçam e assumam o seu devido lugar de destaque, eu me sinto orgulhoso de ter ajudado no início a plantar a semente, mas hoje, quase 10 anos depois, eu estou fora do mercado, confesso que até me surpreendi com você sabendo quem eu sou!

Voltando a uma resposta anterior, o que foi a “Ludo Brasil Magazine”? Quando começou e iniciou?
A Ludo surgiu no início da década passada e era uma revista digital sobre jogos de tabuleiro, onde chegamos a ter mais de 10.000 leitores mensais. Mensalmente tínhamos resenhas de jogos, entrevistas com designers e personalidades dos jogos de tabuleiro do Brasil e do exterior, entrevistas exclusivas com os designers mais famosos da época. Em número de leitores estávamos atrás somente da Spielbox. Tivemos parcerias com grandes editoras do Brasil como Copag, Grow e a Galápagos, além de editoras menores que infelizmente não existem mais. Tudo era feito por um exército de voluntários, pessoas que acreditavam no hobby, sou muito grato a todos. Na época a Ludo teve o seu destaque, fico muito orgulhoso do que construímos: foram 40 edições e nunca uma revista brasileira sobre jogos tinha ido tão longe!

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Capa da primeira edição da Ludo Brasil Magazine

De acordo com o site Clube de autores, você também lançou livros na área de tecnologia e também sobre jogos de tabuleiro. Pode me escrever um pouco sobre eles?
Basicamente escrevi 2 livros sobre jogos, o Guia Prático dos Jogos de Cartas (a venda até hoje na Amazon), ensinando regras de 50 jogos de cartas clássicos sendo a maioria esquecidos, mas fantásticos de se jogar, e o Boardgame Design, que pretendia ser um guia para novos designers de jogos, explicando um pouco dos meus erros e acertos, para ajudar a outros no seu caminho de desenvolvendo de jogos.

Como você enxerga atualmente o mercado de jogos de mesa no Brasil?
Bem, estou fora do hobby há anos, confesso que sei pouco sobre a atual safra de jogos, novos designers, revistas e sites. Acompanhei o início da Ludopedia, que foi fundada por amigos feitos na época da Ilha do Tabuleiro e da Ludo Brasil Magazine, e eles fizeram algo grandioso. Eu perdi meu acesso ao site para atualizar os arquivos dos meus jogos, tentei pedir ajuda para refazer o acesso, mas quem me atendeu disse que não poderia me ajudar, uma pena, mesmo explicando que eu era o designer dos jogos ela não pode me ajudar, na verdade nem sabia quem eu era.

Acompanhei o crescimento da Galápagos e lembro quando começou. Fiz uma entrevista com seus fundadores, o primeiro jogo foi um jogo sobre futebol. Vi alguns jogos publicados pelo Macri, e foi só.

Olhando de fora, parece ter crescido mais um pouco, apesar da Grow não trazer mais jogos de tabuleiro modernos e ter voltado ao padrão pobre de lançamentos, a Copag também… mas vejo a Galápagos seguindo a sua história, a Ludopedia consolidada, e outros projetos pipocando pelo Brasil, hoje estou muito pouco informado sobre o mercado nacional, mas olhando parece haver excelentes iniciativas, acredito que a tendência é o crescimento do nosso mercado, acredito que todos que adoram o hobby desejam isto.

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Walkers. Foto: Arquivo pessoal

Pretende voltar a ativa no mercado ou ainda atualizar/revisar as regras dos jogos que você criou?
Acho que o meu tempo passou, como falei, ninguém mais sabe quem eu sou. Eu tinha vontade de fazer um podcast, entrevistar os membros do hobby, do mercado, mas para você fazer isto precisa conhecer as pessoas, as pessoas precisam te conhecer, para que as coisas aconteçam. Quando entrei em contato com o suporte da Ludopedia para recuperar meu cadastro, a ideia era esta, tentar falar com as pessoas que eu conhecia, mas me dei conta que ninguém lembra da mim ou da Ludo, tudo é passado, o que é normal, mas me dei conta que fazer um podcast seria muito complicado por causa disto. Não criei jogos novos, atualizei alguns, mas não há projetos de novos, pelo menos por enquanto.

Por fim, alguma dica divina para quem que começar a criar jogos!
Criar jogos é ter paixão sobre jogos, é gostar de jogar, gostar de ouvir opiniões, pois quando você faz um jogo, na sua cabeça ele é maravilhoso, mas precisa ouvir as críticas construtivas e desenvolver seus jogos da melhor forma. Depois é preciso ter resiliência, pois nosso mercado é de nicho, há poucas editoras, e as que existem tem pouco dinheiro para investir, principalmente em autores desconhecidos. Mas minha principal dica é, comece disponibilizando seu jogo gratuito, como print and play, assim as pessoas conhecerão seus jogos, conhecerão você, assim aos poucos as portas se abrirão para futuramente lançar o seu jogo comercialmente.