Fernando Prado e a segunda edição do Vossa Excelência na divina entrevista

Quem é o Fernando Prado?
Olá Rodrigo! Sou um cara do interior de Minas Gerais, pai de 2 filhos e 9 gatos (pois é…), funcionário público e um apaixonado por jogos.

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Fernando (em pé) na demonstração do Vossa Excelência, 2ªedição, no Diversão Offline 2022

De onde surgiu a ideia de ser criador de jogos de mesa?
Nasci no meio da década de 70 e joguei muito, mas muito mesmo, os jogos de tabuleiro “clássicos”, especialmente War II, Scotland Yard e Alerta Vermelho, além dos jogos eletrônicos de Atari e Intellivision. Meu sonho desde pequeno era criar jogos e eu passava as tardes desenhando “aventuras”, já que podia jogar só aos fins de semanas.

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Mapa para RPG por Fernando Prado, anos 80

No comecinho da década de 90 conheci o Dungeons & Dragons e entrei de cabeça nos RPGs, ao mesmo tempo em que vivenciava em tempo real a era de ouro dos jogos de computador. Lá por 1997 comecei a fazer modificações (mods) para o jogo de computador Quake e passei os próximos 10 anos criando outros conteúdos gratuitos para jogos eletrônicos, como um mod de Battlefield Vietnam que, apesar de um pouco tardio, teve relativo sucesso na época.

Passei alguns anos com um amigo da faculdade desenvolvendo um jogo de computador sobre a 1ª Guerra Mundial, mas acabamos abandonando o projeto, à medida que ele ficava cada vez mais complexo e as outras responsabilidades batiam à porta. Isso me fez desanimar do desenvolvimento de jogos digitais, mas permitiu que eu conhecesse melhor os jogos de tabuleiro modernos. Bang, A Touch of Evil, e depois Carcassone, Zombicide e X-Wing abriram um mundo novo para mim, resultando nas atuais duas estantes abarrotadas de títulos!

Eu já havia criado alguns jogos de tabuleiro no passado (além dos infames “sistemas próprios” de RPG), mas meu repertório até então era limitado aos produtos ultrapassados da década de 70/80.

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Protótipo “FeudAll”, dos anos 80. Foto pessoal.

Em setembro de 2015, meu amigo Marcelo Dias, companheiro de jogatinas de RPG há quase duas décadas, estava me explicando, numa conversa totalmente aleatória, as emendas parlamentares e como são usadas para conseguir dinheiro e comprar votos. Aquilo acendeu uma “lampadinha” na minha cabeça e parecia tanto uma mecânica de jogo que decidi, ali mesmo, fazer um jogo sobre isso.

Daí em um mês já estávamos jogando um protótipo do Vossa Excelência (resultado de muitas noites mal dormidas), mas o jogo, apesar de cheio de “tema”, não empolgava. Engavetei o projeto no começo de 2016 e passei uns 6 meses sem pensar no assunto. Até que apareceu para mim, “do nada” uma nova mecânica, e refiz todo o jogo com a ajuda do Marcelo. No fim do ano o jogo já estava em um formato parecido com o atual e recebendo as primeiras ilustrações de Douglas Duarte.

O que você já publicou no mercado? E como foi a experiência de publicar um jogo próprio de forma independente?
Tenho muito conteúdo criado como fã na internet (basta procurar pelo nick “Odanan”), mas de jogos de tabuleiro comerciais, só publiquei o Vossa Excelência e suas expansões.

A primeira edição (2018) saiu totalmente independente já que, apesar do interesse de algumas editoras, eu era totalmente controlador e temia que “meu filho” fosse alterado ou mesmo descaracterizado. Não foi fácil: Investir dinheiro em ilustrador, protótipos e depois divulgação; fazer um financiamento coletivo na raça e na coragem, sem contato nenhum no meio nacional dos jogos de tabuleiro, ainda mais de um tema complicado (política). Entretanto graças aos amigos e familiares que aderiram em peso e a alguns influenciadores (aqui vai um agradecimento especial a você, Rodrigo, que recebeu um protótipo bem inicial, e fez a primeira resenha sobre o jogo), o projeto alcançou a meta e viu a luz do dia!

O jogo estava publicado lá em 2018, mas a cabeça ainda fervilhava de ideias. Culpa do noticiário, cada dia com um escândalo diferente na política. Dá surgiu a expansão Nova Era (2019) e agora a Calamidade pública e a 2ª edição do jogo, onde, muito mais experiente, consegui realizar o jogo que sempre quis.

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Vossa Excelência no Diversão Offline 2018

Dessa vez abordei a Ludens Spirit, que já havia atuado como gráfica da 1ª edição, para abraçar como editora os dois novos títulos. Eu simplesmente não teria mais forças físicas e mentais para assumir sozinho um outro financiamento. Aliás, o Catarse da nova edição foi finalizado dia 23 de Agosto (2022).

Publicar seu próprio jogo, sem ter que dar satisfação para ninguém é bom, e (quando dá certo) tem um maior potencial de retorno, mas não abro mais mão da comodidade e expertise de uma editora.

Sem dinheiro não vivemos e, sem dúvida, um dinheiro vindo do hobby cairia bem, mas no fim das contas estou realizando aquele sonho de menino de criar jogos. Gratuitos ou comerciais, independentes ou por editora, o que eu quero é continuar criando.

Quais pessoas que ajudaram no processo de criação dos seus jogos?
Fora meu grupo de jogo, que pacientemente cedia 40 minutos antes de todas as sessões de RPG ou tabuleiro para testar as diversas iterações do Vossa Excelência, posso citar como grandes colaboradores o co-autor Marcelo Dias que participou ativamente do game design da primeira caixa base; o ilustrador Douglas Duarte que deu vida às cartas; o Eurico Cunha, grande guru do board game nacional que deu várias dicas importantes; a empresa Protodesign que diagramou o protótipo, o qual usei como “framework” para finalizar a 1ª edição e criar as expansões, e finalmente a Ludens Spirit, que como gráfica, tornou o jogo concreto, e agora o recebe como editora.

Quais outros jogos que você ainda pretende lançar?
Tenho muitas ideias, mas é tão difícil dar prosseguimento! De 2015 até uns dois meses atrás, todo meu esforço criativo estava dedicado ao Vossa Excelência, mas com o Catarse finalizando, estou com uma sensação de “dever cumprido”. Entre os projetos futuros estão: um jogo de aventura sandbox baseado numa franquia famosa que estou fazendo para jogar com meus filhos; um dungeon crawler, gênero que adoro desde o HeroQuest; e um poliminó (de montar o tabuleiro com peças), mas não sei se conseguirei concluir nenhum deles.

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Sistemas e suplementos de RPG (fim dos anos 90). Foto: Arquivo pessoal

A primeira edição do Vossa Excelência deu um bom trabalho, pelo visto! Quais os principais desafios de se publicar um jogo de forma independente?
Deu muito trabalho sim criar o jogo, mas o maior desafio é conseguir distribuir e vender. Nesse sentido, uma plataforma de financiamento coletivo é essencial, mas não é o suficiente para colocar o jogo nas estantes das lojas e atingir um público maior. Minha solução foi buscar uma editora.

O tema de “política” do seu jogo não foi um obstáculo para aceitação do público?
Sim, especialmente dentro do público do nosso hobby, que normalmente quer apenas se divertir, evitando as tretas e rivalidades da política. Mas não foi sempre assim: quando comecei a criação do jogo, em 2015, havia maior curiosidade e abertura para o tema. Infelizmente isso foi acabando já no começo de 2018 e terminou com a polarização que temos hoje. Vejo muitos jogadores, com razão, olharem o tema do jogo com receio, mas a única coisa que posso fazer é convidá-los a experimentar. Vossa Excelência, mesmo com todo seu fundo calcado na realidade, é feito para se dar risadas com os amigos.

Seu portifólio na plataforma Devianart possui muito material sobre jogos de mesa, RPGs e outros. É possível encontrar algum spoiler ali de projetos futuros?
Lá tem muito conteúdo feito por fãs para Battletech, Zombicide, X-Wing e HeroQuest. Seria um sonho trabalhar em qualquer uma dessas franquias um dia, mas não, nenhum spoiler que eu saiba.

Por fim, uma palavra de incentivo a quem quer seguir os passos de lançar um jogo seu de forma independente!
Sobre a criação em si, diria que o feedback de quem joga é o mais importante. Teste, teste, e teste! Ouça a opinião das outras pessoas. Mostre seu jogo para outros autores e jogadores experientes. Não tenha medo de mudar sua ideia inicial.

Agora, lançar um jogo de forma independente é um ato de perseverança e amor. De perseverança porque você vai encontrar todos os obstáculos possíveis, vindos de fora ou de dentro. De amor porque é necessário muito amor para se dedicar a criar algo e compartilhar isso com os outros.

Se você tem confiança que seu jogo é bom, termine ele e lance um produto, mesmo que seja algo para imprimir e jogar. Você pode ser o responsável por horas e horas de diversão de pessoas que nem conhece – imagina que legal isso!