Uma entrevista cheia de gatos com o game designer Fernando Cunha

Gatos, Galbs Games e Fernando Cunha. O que tudo isso tem em comum? Bom, se você estava embaixo de uma pedra e não viu uma postagem recente sobre o novo jogo da editora Galbs que é sobre gatos, então aqui está uma nova chance de se informar de forma divina.

No mês passado, outubro, não houve entrevista divina na coluna mensal do blog porque algo especial já estava sendo preparado para ser postado aqui no blog. Tratava-se justamente dessa entrevista aqui para tanto mostrar quem é o autor do novo jogo foto da editora mineira e também tratar do novo título da história do autor, tudo em uma postagem só!

Atenção que essa foi uma ótima entrevista e que rendeu muito, portanto existe muito para ler aqui! Sem mais delongas e para começar, a clássica pergunta da coluna mensal de entrevistas:

Quem é o Fernando Cunha?
Oi Rodrigo! Obrigado pelo convite e por manter este espaço tão importante para dar voz aos criadores de jogos e aos diversos agentes que atuam na cena dos jogos de tabuleiro modernos no Brasil. Juntos vamos mais longe, sempre! ❤️

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Eu tenho 36 anos, sou de Belo Horizonte e um dos sócios do Apiário Estúdio Criativo, onde trabalho com pós-produção audiovisual e animação. Também sou completamente apaixonado por jogos! Desde 2017 venho dedicando grande parte do meu tempo livre (e não tão livre assim) na criação de jogos e na articulação e participação em eventos relacionados a esse universo. Hoje eu sou um dos organizadores da Oficina do Playtest (edição de BH e online) e do ProtoBR. Ah! E sou também o autor do “Gataria” que está em financiamento coletivo no CatarseApoie Gataria no Catarse!

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Como começou a carreira de board game designer?
Desde a descoberta de que seria pai, no meio de 2016, comecei a reorientar vários aspectos e escolhas em minha vida. Um sacode pra botar tudo no lugar e começar de novo, sabe? De uma forma mais leve, mas ao mesmo tempo com mais propósito e vontade de melhorar. Sempre me interessei por atividades criativas e meu trabalho no Apiário é direcionado para isso. Já fui diretor de curta-metragens de animação, de filmes de publicidade, já trabalhei com stop motion, pintura, desenho, escultura, mas sempre tive uma vontade enorme de trabalhar com jogos. Eu vislumbrava que isso aconteceria na criação de jogos digitais; porém, meu leque de habilidades, interesses e ferramentas sempre esteve muito mais atrelado ao universo das coisas analógicas.

Eu iniciei no hobby dos jogos modernos em 2012, mas a fagulha para criação de um jogo nesta mídia veio com o nascimento da Olívia, em 2017. Com ela presente eu decidi que nascia também uma nova persona pra mim. Assim iniciei minha jornada como criador de jogos, com a mesma curiosidade e interesse de uma criança. “Gataria” foi o primeiro jogo que surgiu dessas investidas iniciais de criação e fico extremamente contente em ver este ciclo se completando agora!

Quais jogos seus já foram publicados, dentro ou fora do Brasil? E quais jogos ainda estão em negociação?
O “Gataria” será meu primeiro jogo publicado, pela Galbs Games. Já “Raindrops” está assinado com uma editora internacional, mas ainda não foi anunciado. Possivelmente chegará ao mercado em 2022! Também estou trabalhando em um jogo (ainda sem título oficial) com a mentoria de Tim Fowers (autor de “Paberback”, “Burgle Bros.”, “Fugitive”), que entrará em financiamento coletivo no Kickstarter no primeiro semestre de 2022, provavelmente. De jogos ainda não assinados, “Bioma” é um dos projetos que está em estágio mais avançado e tenho participado de vários concursos e rodadas de pitch com ele. Além desses, sigo criando/desenvolvendo/investigando outros projetos, inclusive para jogos infantis (Olívia, agora com 4 anos, é geralmente minha parceira de criação e playtester oficial destes títulos!).

Você possui um jogo (ou jogos) que você participou como co-autor ou em projetos similares ao Gataria?
Contarei um pouco mais sobre a trajetória do “Gataria” e, de tabela, sobre os eventos que ajudo a organizar.

“Gataria” surgiu em 2017 de uma provocação de meu sócio no Apiário, Victor Dias (diga-se de passagem, uma mente genial, sempre com novas ideias para jogos, apps, filmes, negócios e tudo mais). Em uma conversa, discutíamos como funcionaria um jogo digital em que o desafio seria controlar múltiplas peças ao mesmo tempo. A ideia parecia ótima pra um jogo de tabuleiro e comecei a investigá-la. Poucos tempo depois, uma primeira versão jogável já existia e a premissa central de controlar múltiplas peças com a mesma escolha se mantém no jogo até hoje.

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O primeiro protótipo de Gataria!

O tema felino também surgiu neste momento (provavelmente influenciado pelo recente sucesso de KS àquela época: “Exploding Kittens”). Durante seu primeiro ano de vida, o protótipo era conhecido por “Cat(ch) me if you can” e foi uma longa jornada de pedrada e lapidação até o jogo atingir sua forma atual! Naquela época comecei a participar de um grupo de playtest online promovido pelo Diego Moraes, da Dijon Jogos. Lá, inclusive, conheci este querido interlocutor, Rodrigo Deus, que me deu feedbacks valiosíssimos que me ajudaram a transformar a pedra bruta em um jogo divertido e instigante. Nesse primeiro ano realizei muitos testes fechados do jogo, com amigos próximos e em grupos com outros game designers.

No final de 2018 com uma versão um tanto mais estável do jogo, comecei a levá-lo em eventos e luderias, para recolher impressões diretas do público. Para isso, precisava de um nome mais sonoro e, preferencialmente, em português. Fernanda, minha companheira, tinha a resposta na ponta da língua: “Gataria”! Dois eventos foram muito importante para a trajetória do jogo neste momento: o Diversão Offline do Rio, na ala de protótipos do Mansão Convida e o UaiBG em BH – onde “Gataria” inclusive ficou em 2º lugar na premiação do júri deste evento. A resposta do público nesta etapa foi muito animadora e ajudou a guiar o processo de desenvolvimento nos meses seguintes, entendendo o que era percebido como pontos fortes do jogo e o que demandaria mais ajustes. Também conquistei os primeiros fãs-mirins do jogo nesta época: Heitor, Maria Flor e Carlos!

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Gataria no DOFF-RJ/2018

No final de 2018, à convite de queridos amigos de nosso grupo de jogatina, fizemos o primeiro campeonato de “Gataria” como uma das atividades do nosso evento de virada apelidado de BGveillon. Foi incrível rodar diversas mesas em sequência, as partidas foram muito divertidas e acirradas e o título de campeão segue sendo contestado até hoje em nosso grupo. A história já foi recontada tantas vezes que não tenho mais certeza sobre quem levou o título: Chico ou Dani. De um modo ou de outro, o título está nas mãos do querido casal gateiro!

Já em 2019 segui levando o protótipo a eventos e encontros presenciais e também comecei a trabalhar em outros jogos paralelamente. Sentindo a necessidade de rodar mais testes periódicos e a vontade de me conectar a mais pessoas interessadas no desenvolvimento de jogos de tabuleiro na cidade, conversei com Joca e Sanderson sobre criar uma “filial” da Oficina do Playtest em BH.

A Oficina é um encontro semanal de desenvolvedores para playtest e discussão de jogos de tabuleiro e tem um sistema estruturado de participação que garante aos envolvidos a certeza de que terão seus jogos testados (esse projeto iniciou no Rio em 2017, com organização de Joca Rocha, Raphael Colonese, Rodrigo Deus, Sabrina do Valle e Sanderson Virgolino). A iniciativa deu super certo! Iniciamos as atividades em novembro de 2019 com o apoio do LudoCafé, uma cafeteria/luderia super aconchegante que havia aberto as portas recentemente na cidade. Me ajudando a organizar a Oficina, estavam Galery e Gabs (sim, a própria GALBS Games!). Àquela época, eles estavam finalizando a produção do Vela e trabalhando em uma série de outros jogos que demandariam muito playtest nos meses seguintes. A Oficina foi então esse espaço de confluência de interesses e de fortalecimento/conexão da cena de desenvolvedores e entusiastas na cidade. Uma das atividades mais legais que realizamos nessa época foi sediar o primeiro polo brasileiro da Global Game Jam completamente focado em jogos de tabuleiro!

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Encerramento da LudoJam no LudoCafé

No início de 2020, criamos uma versão online da Oficina do Playtest, com o desejo de expandir as fronteiras/discussões e conectar pessoas de outras regiões do país. E logo em seguida, veio a pandemia… Os encontros presencias foram suspensos e a Oficina Online ganhou muita força. Os encontros online seguem acontecendo duas vezes por semana, com um público que varia de 10-15 pessoas por encontro. Hoje a Oficina é uma rede viva e várias pessoas trabalham muito para que tudo aconteça! Conto com a parceria do Thiago Leite para organizar os encontros online, mas temos também algumas outras iniciativas: a “Oficina das Ligadas” é um evento de playtest apenas para mulheres organizado pela Liga Brasileira de Mulheres Tabuleiristas e tocado por Cynthia Dias, Fernanda Sales e Tânia Zaverucha; a “Garagem” é um espaço de articulação de game jams e grupos de criação, sob a batuta de Gabriel Toschi e Yuri Morronni. Outro evento cuja articulação me envolvi em 2020 foi o ProtoBR, iniciativa de um coletivo de autores (André Teruya, Bianca Melyna, Fernando Cunha, Iaggo Píffero, Igor Knop, Moisés Pacheco, Robert Coelho, Sanderson Virgolino) que surgiu no início do período de isolamento social, buscando dar vazão aos jogos criados e sempre tentando conectar autores, público e potenciais editoras interessadas nos projetos sendo desenvolvidos. O evento segue em um ritmo mais lento agora, com as pessoas retomando suas rotinas fora do ambiente virtual, mas até então já foram realizadas 18 edições do ProtoBR.

Retornando ao “Gataria”, no segundo semestre de 2020 recebi o convite da Galbs Games para que este fosse o primeiro jogo de outro autor a sair pelo selo da editora! Desde então, o jogo vem sendo trabalhado com o mesmo cuidado e carinho que a dupla dedica aos próprios jogos. No mesmo ano, “Gataria” também recebeu o título de melhor jogo de tabuleiro no SBGames. Em 2021 trabalhei em muitos refinamentos e melhorias na fluidez do jogo. “Gataria” ficou mais direto e simples, mas ainda carregando a mesma sensação de escolha tática de sua versão anterior. A artista Marianna Teixeira se juntou à equipe do jogo e começou a dar vida às personagens e ao universo em que habitam. Com um repertório vindo de seu trabalho com animação, Mari tem um estilo fantástico e sabe dar personalidade às personagens como ninguém! Sou suspeito pra falar, mas o jogo está maravilhoso! É muito gratificante acompanhar esse processo tão de perto!

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Petúnia e Nix em arte de Marianna Teixeira

Você teve participação em concursos internacionais de jogos? Se sim, como foi essa participação e quais resultados surgiram depois?
Sim! Por conta da pandemia, vários eventos e editoras começaram a se adaptar para o modelo online. Para nós, no Brasil, foi uma oportunidade única de competir em pé de igualdade com criadores de jogos na América do Norte e na Europa. Ainda é preciso vencer a barreira da língua, claro, e esse foi um ponto dificílimo para mim! Figura tímida que sou, nunca havia tido coragem de experimentar meu inglês em público. Com sorte (e uma indicação muito acertada) encontrei uma professora que me ajudou a rapidamente quebrar algumas barreiras para conseguir me expressar com mais confiança na língua – obrigado, Juliane!

Com uma série de jogos no ponto de apresentação, comecei a garimpar e me inscrever em todas as oportunidades que apareciam. Desde chamadas abertas de pitch de editoras como Ravensburger, Pegasus Spiele e Blue Orange a concursos de game design, eventos de speed pitching e programas de mentoria. Meu jogo “Raindrops” encontrou uma editora após ser finalista no The Pitch Project em 2020. Passou por uma peneira de mais de 500 inscrições e ficou entre os 50 jogos selecionados para o evento de Pitch com as editoras. E neste ano de 2021, meu jogo “Bioma” ficou em primeiro lugar em sua categoria no The Board Game Workshop Design Contest, além de também ter recebido uma menção honrosa no SBGames 2021. Os concursos são fantásticos para dar projeção para os projetos e abrir portas para diálogos futuros, mas além disso ajudam muito a entender quais são os pontos de destaque do jogo e quais elementos ainda exigem mais trabalho. Os eventos costumam enviar feedbacks muito detalhados com as considerações dos jurados. São indícios valiosos para seguir melhorando os projetos!

Pretende lançar algum jogo PnP durante a pandemia?
Infelizmente não consegui ainda! Dividindo o tempo entre o trabalho do dia-a-dia, família, os projetos já encaminhados e a organização dos eventos, não foi possível… Mas, em nota relacionada, acabamos de realizar a “GaraJam Caneta & Papel”, um evento para criação de jogos PnP dentro da Oficina do Playtest. Tivemos uma participação expressiva e 10 jogos foram criados durante o evento. Os jogos estão disponíveis para baixar e imprimir em casa totalmente de graça!

Por favor, deixe uma mensagem com dicas para quem quer seguir na carreira do mercado de jogos de tabuleiro!
Jogos de tabuleiro são experiências de compartilhamento em sua essência! Se você está criando um jogo, envolva-se com a comunidade: sente à mesa, participe dos eventos, escute, contribua e teste tudo o que puder! O que temos de melhor nesse hobby é a nossa comunidade. Sua jornada será muito mais prazerosa e gratificante se for compartilhada! Bons jogos!

Agradecimentos divinos e felinos pela entrevista!