A Divina entrevista revisada e traduzida por Rafael Brandão… ou não!

Um tradutor, revisor, jogador, mestre, ser humano. Um irmão, um filho, não é pai. Um viajante, fã de patins, amigo divino e amigo dos animais.

Já trabalhou com editoras, criadores de jogos, tradutores. Revisão e auxílio na criação de manuais, processos e jogos. Fotogênico, quase um mágico de festa infantil!

Você conhece esse divino leitor do blog divino? Então, com as bênçãos de São Meeple…

Quem é o Rafael Brandão?
Nossa, que pergunta difícil! Sou jogador, tradutor e revisor. Sou o cara que o nome fica naquela seção do manual que ninguém lê.

O que você fez ou com o que trabalha dentro do mercado de jogos de tabuleiro?
Eu trabalho com revisão e tradução de regras. Já fiz revisão para a Dijon Jogos no Os Incríveis Parques de Miss Liz e no Cosmos. Também já fiz tradução para a Galápagos em vários projetos, mais recentemente o Scythe e o Descent: Lendas da escuridão.

Alguma participação em projetos de RPGs ou jogos eletrônicos no geral?
Nada profissionalmente, até agora. Mas certamente são duas áreas em que eu quero atuar também.

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Demonstrando New Edén

E de sua autoria, algum projeto?
Ainda não! Eu mestro RPG e tenho vontade de lançar aventuras pelo Itch.io, DriveThru ou Dungeonist. Mas no momento essa é uma ideia muito distante. Acho que, quando voltar a mestrar pessoalmente, a ideia vai ganhar mais força.

O que são essas plataformas mencionadas? Alguma brasileira?
O Itch.io é uma plataforma estrangeira para criadores independentes. Tem jogos eletrônicos, RPG, quadrinhos. Talvez tenha print-and-play de jogos de tabuleiro também, não tenho certeza. O Drivethrurpg RPG é outra plataforma estrangeira; mas essa, como o nome diz, é específica para publicar material de RPG.

O Dungeonist também é específico para RPG, mas é nacional.

Como começou com os jogos de mesa? Ainda possui o primeiro jogo que adquiriu?
O meu primeiro contato foi com um amigo meu (que hoje é desenvolvedor de jogos! Sigam seus sonhos, galera!) me apresentando alguns jogos modernos. Acho que foi no famoso Bob’s no bairro da Tijuca, aí no Rio. Me lembro da cena, ele tentando me explicar o Kingsburg e eu tendo muita dificuldade em entender pontos de vitória:

– Como assim, de vitória? O que eles dão?
– São os seus pontos, que você vai acumulando no jogo.
– Mas eu compro alguma coisa com eles? Não entendi, para que eles servem?
– São os pontos que fazem você ganhar o jogo.
– Mas COMO eles me fazem ganhar o jogo!?

Esse foi o começo, a partir daí eu e meus amigos logo passamos a jogar com frequência. Hoje em dia eu entendo melhor os jogos, mas continuo jogando tão mal quanto naquela época.

O primeiro jogo que eu comprei foi Thornwatch, que eu apoiei no Kickstarter. Fiz um cartão de crédito só para poder entrar nesse financiamento coletivo, de tão empolgado que eu estava com a campanha! Ainda tenho ele guardado, mas para ser sincero eu joguei ele muito pouco até hoje. A expansão eu nunca nem abri.

De todos os projetos com os quais trabalhou, qual foi o mais desafiador? E o mais divertido de se fazer?
O mais desafiador eu não posso dizer o título, porque ele ainda não foi anunciado.
Porém posso afirmar que o desafio foi por causa do humor. Quando tem um trocadilho, um jogo de palavras, várias vezes a gente fica horas e horas pensando, experimentando diferentes opções até chegar à melhor tradução para uma única frase ou simplesmente o nome de um personagem. Admiro muito quem escreve e quem traduz humor, porque é muito difícil.

O mais divertido, sem sombra de dúvida, foi o X-Men: Insurreição Mutante. Eu era vidrado nos X-Men quando era criança, na época em que os quadrinhos saíam em formatinho e as pessoas ainda diziam “vidrado”. Esse trabalho me exigiu pesquisar e revisitar personagens e histórias pelas quais eu tenho muito afeto, para não confiar na memória e poder deixar tudo fiel aos quadrinhos. Eu não tinha tempo de reler cada história, claro; mas passei muito tempo lendo resumos, perfis de personagem, procurando em sites especializados o título de uma edição da Abril Jovem de 90 e pouco. Foi muito legal reler sobre Krakoa, sobre o Clube do Inferno, a Saga da Fênix Negra. Uma viagem nostálgica deliciosa.

Mas aí, quando o trabalho já tava entregue, veio a Marvel e determinou que os nomes tinham que ficar iguais ao original. Mas isso é outra história e não apaga o prazer que eu tive fazendo essa tradução.

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De azul, ao fundo

Como é trabalhar com tradução e revisão das regras de um jogo de mesa?
Depende do cliente, depende do projeto. A revisão d’Os Incríveis Parques de Miss Liz e a do Cosmos eu diria que foram trabalhos quase de co-autoria. Nos dois casos o design já estava fechado e os manuais já tinham uma primeira versão escrita. Entretanto eu fiquei trocando ideia com o Diego de Moraes frequentemente, fazendo sugestões, dando diferentes opções, tirando dúvidas que eu tinha; tudo para nós chegarmos, juntos, a melhor versão possível do manual e dos componentes. É muito mais do que simplesmente corrigir ortografia, gramática.

Já num projeto de tradução, o manual, cartas, etc, já estão todos prontos. Os itens já tem os termos definidos, já tem o estilo de escrita do autor. Então a minha tarefa ali é transpor para o português as particularidades daquele produto, tornar a tradução fiel à proposta original. Encontrar os melhores termos, as melhores construções, decidir o que deve e o que não deve ser adaptado para a cultura brasileira. Não chega nem perto de ser um trabalho de co-autoria, mas ainda assim tem uma série de escolhas criativas a serem feitas para chegar ao melhor resultado.

Existe falta de valorização nos profissionais de tradução no nosso mercado? Se sim, o que poderia ser feito para existir uma maior valorização desses profissionais?
Pela minha experiência, eu não vejo falta de valorização por parte das editoras. Mas eu teria que falar com outros tradutores e revisores para ter uma visão mais ampla. Agora, o que eu vejo às vezes é uma hostilidade por parte do público. O tradutor é que nem juiz de futebol, né? Só aparece quando erra! Mas também vejo jogadores que defendem o trabalho de tradução e que entendem que às vezes tem erros que passam mesmo, inevitável.

Quanto ao que pode ser feito, acho que faz parte de um problema muito maior dentro da cultura da internet e da cultura brasileira em geral. Isso só vai se resolver com mudanças muito profundas na nossa sociedade como um todo; que já começaram, mas estão longe de estarem completas. Até lá, cabe às editoras e aos profissionais de localização saber distinguir a quem a gente deve dar atenção e quem a gente deve só bloquear mesmo. Distinguir quando uma crítica ou uma reclamação é legítima e quando é só alguém querendo diminuir o trabalho alheio e esbravejar para se sentir superior.

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Deixa uma dica divina para quem quer trabalhar na sua área!
Então, sabe aquela seção do manual que ninguém lê? Leiam ela! Procurem contato com os tradutores, revisores, editores. Vamos trocar experiências! Falem com também designers, com desenvolvedores. A gente tem uma cena muito forte no game design brasileiro e esse também pode ser um bom caminho para chegar às editoras.