Resenha – Through the Ages

Criado em 2006 por Vlaada Chvátil (Space alert, Galaxy trucker), um dos mais influentes nomes do gamedesign mundial, e com a arte de Jakub Politzer (Adrenaline) e Milan Vavroň (Mage Knight), Through the Ages: Uma nova história da civilização rapidamente alcançou aclamação no meio do hobby. Nove anos depois o jogo receberia uma nova versão, organizada pelo mesmo criador, acrescentando o “new” no subtítulo. O jogo era essencialmente o mesmo, mas houve um extenso trabalho de adaptação e balanceamento, em especial nas mecânicas militares. Foi esta nova versão que chegou nas terras brasileiras, trazido pela Devir Livraria e na qual esta resenha é baseada.

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Essencialmente, Through the Ages (TtA) é um jogo que começa com o “drafting” de cartas. Existem sete baralhos distintos, representando aspectos politico-sociais e militares divididos em quatro eras e dois tipos cada, o baralho civil e o militar (apenas a Antiguidade não possui baralho militar). O jogo começa com treze cartas da Antiguidade sendo dispostas na mesa, e os jogadores escolherão estas cartas, cada um na sua vez, para iniciar sua civilização. Dependendo do posicionamento das cartas, elas podem custar 1, 2 ou 3 “ações civis”. Conforme as cartas são compradas, elas são movidas para posições mais à frente, ficando mais baratas, o que força o jogador a pensar bem se vale à pena esperar para pagar menos por uma carta e correr o risco de vê-la sendo comprada por outro jogador.

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Componentes. Imagem: Ludopedia

Passada a antiguidade, chega a rra I, e com ela entram em jogo as cartas militares. Cada jogador possui, inicialmente, duas ações militares, com as quais pode comprar uma nova carta militar, jogar uma que esteja em sua mão, e realizar outras ações como agressões e guerras. O jogador pode também preparar um “evento futuro”, que se mantém em segredo até ser posteriormente revelado, e que aciona um “evento atual” que pode afetar todos os jogadores de várias formas. Após a Era I, temos a era II e finalmente a última era, a III, após a qual acontecerão vários efeitos que podem mudar o rumo do jogo.

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Eras. Imagem: BGG

As diversas cartas do jogo permitem ao jogador mudar sua forma de governo (recebendo mais ações civis e/ou militares), acionar líderes e pesquisar tecnologias dos mais diversos tipos. Cada jogador começa com um tabuleiro no qual possui suas tecnologias iniciais, sua forma de governo inicial, um banco azul de recursos e um banco amarelo de população. A movimentação dos cubos coloridos dos bancos para as reservas de recursos e trabalhadores é crucial, pois quanto mais sua civilização cresce, mais caras ficam as construções e pesquisas e mais comida e felicidade seu povo exige. Se algum dos dois faltar, sua população reclama, podendo até entrar em revolta e deixando de produzir por um turno inteiro. Se produzir demais, você pode sofrer com corrupção. Da mesma forma, é preciso administrar seu exército, pois ficar fraco demais no poder militar é pedir para ser atacado por uma carta militar de agressão, e raramente você conseguirá conquistar cartas de “colônia”, que dão vários bônus!

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Recursos. Imagem: BGG

O objetivo do jogo não poderia ser mais direto: o jogador que possuir mais pontos de Cultura no final é o vencedor. Empates fazem todos os jogadores com a mesma pontuação dividirem a vitória. Para ganhar Cultura, é necessário realizar diversas pesquisas que conferem pontos de cultura e para realizar estas pesquisas é necessária Ciência, a qual você acumula construindo laboratórios gastando recursos e alocando trabalhadores. A descrição pode dar a aparência de um jogo tremendamente complexo em regras, o que não é verdade – não que TtA seja um jogo leve, mas suas regras são facilmente assimiláveis. No final, temos um jogo de administração de recursos bem apertadinho, que não é extremamente punitivo, mas que também não permite que você exagere no mal planejamento. Saber quando crescer, quando segurar recursos e quando comprar cartas é fundamental para se manter equilibrado e na disputa.

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Final de partida. Imagem: BGG

Considerações finais
Como basicamente todos os jogos de civilização existentes no mundo, TtA é um jogo demorado. Já são conhecidas as piadas sobre sua duração, o que faz dele um “jogo-evento” quando jogado com quatro jogadores, sua capacidade máxima. A chance de um jogador gerar AP (Analysis Paralysis) enquanto pensa nos diversos aspectos da civilização é alta e constante. Também não é um jogo que brilhe no quesito beleza.

Os componentes são agradáveis, mas como é típico nos jogos euros, maior importância é dada a mecânicas e jogabilidade do que à beleza dos materiais – não que ele seja um jogo feio, apenas as ilustrações não enchem os olhos. As cartas são de um material bom mas muito fino e de tamanho único, o que dificulta a aquisição de sleeves. Em compensação, todos os tabuleiros são resistentes, e os cubos coloridos são geralmente de ótima qualidade. Os poucos componentes de madeira, usados para marcar pontuações, não oferecem algo a reclamar ou elogiar.

O problema mesmo é o manual da versão brasileira. A tradução em si não oferece erros em relação à versão original e os dois livros conseguem explicar as regras sem grandes enrolações, mas a revisão é quase uma piada de tão sofrível. Diversos erros de digitação, outros de diagramação, vários erros crassos de português e ao menos um momento no qual as regras literalmente se contradizem (quando em uma página diz que o jogador sofre corrupção quando o espaço correspondente do banco azul está descoberto, sem um cubo tapando-o – o que é o correto -, e em outra diz o exato oposto!) fazem destes um dos manuais de leitura mais desagradável que já li. Um jogo que custa quase R$400 reais em média (e que é composto por componentes que nem de longe correspondem a esse valor na edição estrangeira também, verdade seja dita) merecia pelo menos três ou quatro revisões minuciosas de seus dois livros de regras.

Through the Ages: A New Story of Civilization é um excelente jogo, apesar de tudo. Passa a sensação de evolução de sua civilização e o progresso de suas escolhas de maneira eficiente e consegue, a despeito de sua duração exagerada, não ser um lamaçal de regras densas. Lamaçal mesmo é o manual nacional, mas aqueles que conseguirem abstrair os erros encontrarão um jogo divertido e interessante tanto para amantes de eurogames quanto para amantes de civ games.

Basta saber que a responsabilidade de levar toda uma civilização a ficar gravada na história está na sua mão!

Pontos positivos
– Jogo robusto, mas não exageradamente complicado dependendo da mesa
– Bons componentes em geral
– Sensação de fazer o que o jogo propõe (evoluir uma civilização)

Pontos negativos
– Caro para o que oferece, por ser essencialmente um jogo de cartas)
– Duração que pode ser exagerada em três ou quatro jogadores
– Manual que sofre com falta de revisores profissionais